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Suspensão sumária de CNPJ em interposição fraudulenta é inconstitucional
A suspensão do CNPJ de pessoa jurídica, por se tratar de medida administrativa que restringe o direito ao livre desempenho das atividades econômicas da empresa ...
01/01/1970 00:00:00
A suspensão do CNPJ de pessoa jurídica, por se tratar de medida administrativa que restringe o direito ao livre desempenho das atividades econômicas da empresa, assegurado no artigo 170, parágrafo único, da Constituição Federal, somente pode ser determinada se encontrar previsão em lei formal, e ainda assim, nos exatos termos nela traçados. Esse foi o fundamento adotado pelo desembargador Marcus Abraham, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ao dar provimento a agravo de instrumento em favor de uma empresa que teve o CNPJ suspenso pela Receita por suposta fraude aduaneira.
No foco da discussão está a Instrução Normativa 1986, que entre as penalidades, no caso de interposição fraudulenta, possibilitou a representação fiscal para fins de inaptidão. Na prática, em muitos casos ocorre a suspensão sumária do CNPJ antes do fim do processo administrativo, o que, para especialistas ouvidos pela ConJur, viola os princípios do contraditório e da ampla defesa. Esse tipo de caso em que a Receita suspende imediatamente o CNPJ de importadoras tem se tornado mais comum desde dezembro do ano passado. “O que tem acontecido é que a Receita Federal não tem respeitado o contraditório e a ampla defesa no procedimento de representação fiscal para fins de inaptidão. E é exatamente isso que a decisão do TRF-2 veda: a suspensão sumária do CNPJ nos casos de interposição fraudulenta sem que esses princípios sejam respeitados”, explica o especialista em Direito Aduaneiro Augusto Fauvel , que atuou no caso.
Ao decidir pelo agravo de instrumento, o desembargador Marcus Abraham apontou que essa conduta é contrária à jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais do país, consolidada no sentido de não ser possível a suspensão do CNPJ antes do término do respectivo procedimento administrativo sob pena de violação do artigo 5º, LV, da Constituição de 1988. “Considero comprovado, igualmente, o risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação à manutenção da atividade econômica da recorrente, que já se vê tolhida de contratar e ser contratada em razão da suspensão de sua inscrição no CNPJ”, finalizou o julgador. O conselheiro do Carf e membro do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV, Leonardo Branco, reforça o coro de que esse tipo de suspensão não deveria ser banalizada. “Esses casos de suspensão de CNPJ deveriam ser excepcionalíssimos, de casos flagrantes de interposição fraudulenta configurada. E daí a importância dessa análise do Judiciário no caso a caso. Essa é uma verdadeira pena de morte para a empresa, porque sem CNPJ não existe exercício da atividade empresarial, não só para importar, mas também para comprar, vender ou ter uma conta em banco”, sustenta. Outros casos Além da decisão do TRF-2, outros tribunais federais têm reabilitado CNPJs suspensos pela Receita Federal. Em março deste ano, a juíza federal Raquel Fernandez Perrini, da 4ª Vara Cível Federal de São Paulo, concedeu liminar para reativação de CNPJ de uma importadora suspenso também antes do fim do processo administrativo.
Na decisão, a magistrada assinalou que, pela documentação apresentada nos autos, não é possível concluir que a penalidade imposta tenha decorrido de um prévio e regular procedimento administrativo fiscal. “Evidenciado que a declaração de inaptidão da empresa no CNPJ não observou as garantias constitucionais mínimas aplicáveis aos processos administrativos, e na ausência de fato novo superveniente à antecipação da tutela recursal, tem-se por irregular o Ato Declaratório Executivo 002938533/2018 emitido pela autoridade fazendária, a ensejar a sua suspensão”, concluiu. Em novembro de 2021 o desembargador José Amilcar de Queiroz Machado, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, também anulou a suspensão do CNPJ de uma empresa pela Receita por interposição fraudulenta. Ao analisar o caso, o julgador apontou que, em casos de suposta interposição fraudulenta, o TRF-1 tem entendimento no sentido de ser passível a penalidade de multa e não de inaptidão do CNPJ. “Nos casos em que a empresa traz contrato de locação onde funciona seu depósito, licença municipal para funcionar, contratos bancários de empréstimos, contrato particular de “importação por conta e ordem de terceiros”, e a própria fiscalização apurou que a empresa estava atuando no comércio exterior desde sua constituição, a hipótese, em tese, é do art. 33 da Lei 11.488/2007, que determina a aplicação de multa, afastando a declaração de inaptidão do CNPJ disposta no art. 81 da Lei 9.430/1996″, pontuou. Zona de perigo Outro efeito da Instrução Normativa 1986 foi o aumento de casos da chamado “canal cinza” da Receita Federal, que pode ser simplificado como o equivalente à malha fina do imposto de renda, mas, nesse caso, para transações de empresas de comércio exterior. O canal cinza de conferência aduaneira é aquele em que será realizado o exame documental, a verificação da mercadoria e a apuração de elementos indiciários de fraude. “Caso constatada algum indício de fraude na importação o setor responsável deve ser comunicado para avaliação da aplicação do Procedimento de Fiscalização de Combate às Fraudes Aduaneiras, previsto na IN 1.986/20”, explica Maria Teresa Grassi, advogada tributarista do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados.
A especialista, contudo, pontua que a mera classificação de conferência aduaneira em canal cinza não pode ser usada como justificativa para suspensão do CNPJ do importador. “É certo que apenas com a conclusão do procedimento de fiscalização de combate a fraudes aduaneiras é que a autoridade poderá aplicar a penalidade de suspensão do CNPJ e qualquer ação deste tipo antes do término deste procedimento acarreta ato ilegal e inconstitucional que deve ser combatido”, argumenta. Fauvel, por sua vez, lembra que o aumento de casos no canal cinza gera um grande ônus para o importador. Ele explica que o procedimento dura inicialmente 60 dias e pode chegar até 120, o que acaba acarretando em despesas de armazenagem e multas. “Mesmo a Instrução Normativa 1986 prevendo em seu artigo 12 que pode haver uma entrega antecipada mediante caução, para o importador isso acaba gerando custo extra já que ele tem que desembolsar antecipadamente um valor de caução para obter as mercadoria e seguir no procedimento de comprovação da regularidade da importação para só lá na frente reaver o valor da caução”, lamenta.
Fonte: Conjur
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