A cautela deve nortear o processo de classificação fiscal
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Sistema tributário leva a país desigual, avaliam senadores
Enquanto a Previdência Social brasileira foi, em 20 anos, objeto de duas grandes reformas e duas outras significativas alterações, com o argumento de que precisava ser racionalizada, o sistema tributário tornou-se, em várias décadas, um bicho-papão incontrolável, segundo dez entre dez analistas, sem que nenhuma mudança sistêmica fosse promovida.
01/01/1970 00:00:00
Enquanto a Previdência Social brasileira foi, em 20 anos, objeto de duas grandes reformas e duas outras significativas alterações, com o argumento de que precisava ser racionalizada, o sistema tributário tornou-se, em várias décadas, um bicho-papão incontrolável, segundo dez entre dez analistas, sem que nenhuma mudança sistêmica fosse promovida. O Congresso ensaia justamente a retomada desse debate, quem sabe ainda no primeiro semestre deste ano.
Embora as críticas mais pesadas a impostos, contribuições e taxas partam dos empresários, a queixa em torno do peso dos tributos é geral. E reflete os danos que o superdimensionamento dessa máquina e sua complicada operação impõem ao sentido de cidadania escrito na Constituição, quando o texto de 1988 fala em:
“Construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.”
Impostômetro: queixa sobre peso dos tributos é generalizada (foto: Getty Images)
Para se guiar pelo labirinto de 13 impostos e três contribuições, as empresas gastam dinheiro e tempo de suas atividades-fim para pagar contadores, auditores e advogados tributaristas. Isso acaba repercutindo negativamente na produtividade do país.
Tornar a tributação mais racional, entretanto, é uma tarefa a exigir delicada costura política, dada a diversidade de interesses que são contrariados a cada peça que se tenta mover no tabuleiro. Afinal, os impostos custeiam as despesas e investimentos públicos. Nenhum setor admite perder recursos sem a certeza de que será compensado. O modelo de repartição da arrecadação entre a União, os estados e os municípios ajuda a manter o impasse, o que explica as sucessivas tentativas de se rediscutir o pacto federativo.
A grita em torno do peso da carga tributária — R$ 1,44 trilhão, ou 32,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 — é antiga, mas uma tomada de consciência mais vigorosa tem como marco os protestos populares de 2013, durante os quais ficou muito claro o descontentamento com os resultados da aplicação dos impostos em termos dos serviços prestados pelo Estado.
A afirmação de que “o Brasil arrecada muito e gasta mal” tem sido, inclusive, expressa matematicamente, por meio do Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (Irbes), calculado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Em 2017, o Brasil ficou em 30º lugar na lista dos países avaliados segundo uma equação que leva em conta a carga tributária e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que no caso era de 0,754. Em posições melhores, há tanto países com carga tributária baixa (Irlanda e Uruguai) quanto alta (Alemanha e Dinamarca).
Diante da demora na solução global para o problema, sucessivos governos têm usado de expedientes pouco ortodoxos para equilibrar despesas e receitas, como a criação de tributos — a Cofins e a CPMF são dois exemplos — e o atraso na correção das tabelas de cálculo do Imposto de Renda.
Depois de vigorar por dez anos, a CPMF foi extinta pelo Congresso em 2007, mas a Cofins, juntamente com o PIS, inferniza a vida das empresas e acaba incidindo sobre o consumo, inclusive de alimentos, não bastasse o indecifrável ICMS, reforçando o caráter regressivo do sistema tributário brasileiro. Num sistema progressivo, os mais ricos seriam, proporcionalmente, mais taxados.
Quanto à tabela do IR, acumulava uma defasagem de 95,4% em 2018, comparando-a com a inflação medida pelo IPCA desde 1996. Assim, só está isento do imposto os contribuintes que ganhem até R$ 1,9 mil por mês. Corrigida a tabela, a isenção passaria a viger até o limite de R$ 3,7 mil mensais.
Para sanar o que considera um aumento de tributação disfarçado, o senador Reguffe (sem partido-DF) apresentou há cerca de quatro anos o Projeto de Lei do Senado (PLS) 355/2015, que manda corrigir anualmente os limites de isenção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física pela variação anual do IPCA, acrescido de 1% ao ano, “até que se recupere a defasagem acumulada da tabela”.
— Eu tenho obrigação de vir a esta tribuna cobrar, até porque não cobro apenas do governo atual. Eu sou coerente: cobrei de todos os governos. O que foi falado na campanha? Que não pagaria Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil. E nada mudou. Não dá para aceitar isso” — disse o parlamentar no dia 21 em discurso no Plenário, no momento em que milhões de contribuintes preparavam as declarações de renda, cujo prazo de entrega se encerra em 30 de abril.
Mais recentemente, a bancada do PT no Senado apresentou um projeto de lei (PL 604/2019) para acabar com o escalonamento das faixas de incidência da alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e fixá-la em 27,5% para quem ganha acima de cinco salários mínimos. O texto também estabelece a cobrança de alíquota de 20% de Imposto de Renda sobre os dividendos, ou seja, parte do lucro de uma empresa que é distribuído entre os seus acionistas. Toda empresa que negocia ações seria obrigada a dividir um percentual dos seus lucros com os detentores de seus papeis. Hoje, o acionista não paga qualquer Imposto de Renda sobre esse provento.
Assinado pelos senadores Humberto Costa (PE), Jean Paul Prates (RN), Jaques Wagner (BA), Paulo Paim (RS), Paulo Rocha (PA) e Rogério Carvalho (SE), o PL 604/2019 aguarda relatório, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). A bancada petista lembra que a proposta não encerra a discussão sobre a atualização das faixas de cobrança do IR, necessária há anos. Há consenso sobre a isenção aos que ganham até cinco salários, mas não sobre a reestruturação de toda a tabela, inclusive com a criação de faixas maiores que 27,5%.
Há 32 anos no Congresso Nacional, o senador Paulo Paim (PT-RS) reclama da falta de mudanças significativas na questão tributária:
— Na verdade, houve remendos aqui e ali, mas esse tema jamais é enfrentado efetivamente, porque os poderosos do país não têm interesse. Como eles se dão bem com o sistema atual de tributação, somente falam, mas não deixam acontecer.
Para Paim, ao invés de reforma da Previdência, a reforma tributária deveria ser o assunto em debate no Congresso. Segundo o senador, é daí que sairão os recursos para alavancar o país:
— Precisamos de uma ampla discussão no intuito, inclusive, de descentralizar o poder. Que seja uma tributação progressiva, onde os ricos paguem mais e os da classe média e abaixo paguem menos. Eu tenho esperança de que conseguiremos fazer justiça, deixando de tirar dos pobres mais do que lhes está sendo tirado.
O senador Plínio Valério (PSDB-AM) defendeu na mesma sessão plenária uma redução nos impostos incidentes sobre a comida que vai ou deixa de ir para a mesa dos brasileiros. O parlamentar mencionou dados da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), segundo os quais o peso médio dos tributos sobre mantimentos no país chega a 22,5%, enquanto o padrão internacional fica em torno de 6,5% no preço final ao consumidor. No caso dos enlatados, chega a 37,5%. Já sobre o arroz e o feijão, os tributos médios ficam em 18%.
— Constate-se este absurdo: o Brasil, com uma imensa produção de alimentos e uma população pobre, cobra [dessa parcela da população] 22,5%, enquanto a Alemanha fixa imposto médio de 7% sobre a comida, e a França, 5%. Trata-se de uma equação simples: menos impostos, como eu defendo, significa mais dinheiro no bolso, significa mais consumo, mais produção e mais emprego — exemplificou o parlamentar em pronunciamento no dia 13.
Para o senador Jorge Kajuru (PSB-GO), a desigualdade social, um dos maiores males do Brasil, depende do combate aos “privilégios de classe” em matéria tributária, em parte responsáveis por colocar o país em 79º lugar na classificação da ONU quanto ao desenvolvimento humano, mesmo sendo a oitava maior economia do mundo.
— Fala-se muito em reforma da Previdência, mas esquece-se da reforma tributária — observou Kajuru.
O senador Jayme Campos (DEM-MT) também considera primordial que se vote a reforma tributária. Ele advoga, por exemplo, a descentralização de parte da receita da União para os estados e municípios, cujos recursos não correspondem às responsabilidades e incumbências.
— Deve haver um novo pacto federativo, já que o governo [federal] concentra quase 64% de todo o bolo tributário nacional. Temos que compatibilizar essa questão com a reforma tributária, para retomarmos o crescimento do país, ou o Brasil estará fadado a não crescer — alertou.
Relator do projeto de Reguffe na CAE, o senador Esperidião Amin (PP-SC) destaca, além das reformas previdenciária e tributária, a necessidade de se modificar o sistema político do Brasil, para moralizar as ações públicas.
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