Desde auditoria e controladoria a compliance, cada cargo exige diferentes habilidades, que devem incluir capacidade de adaptação às tecnologias e regulamentações do mercado
Notícia
É hora do empregado (não só do cliente) estar no centro do negócio
A cultura do ‘eu falo e você obedece’ não funciona mais. Colaborador quer ser ouvido e construir com o empresário, de acordo com Olegário de Araújo, pesquisador do FGVcev.
01/01/1970 00:00:00
Dez entre dez especialistas em varejo recomendam “foco no cliente” como a principal tática para o sucesso de um negócio, antes da tomada de qualquer decisão.
Foi-se o tempo em que os executivos davam sozinhos os caminhos das companhias. Este poder agora está nas mãos dos consumidores, capazes de levar uma empresa ao topo ou ao fracasso.
Sem cliente, não tem negócio. Mas tem outro público no mundo do varejo que precisa da mesma atenção, no mínimo, para que uma empresa atinja os seus objetivos: os funcionários.
“Humanizar para prosperar: um olhar humano para a gestão de pessoas no varejo”, texto elaborado a partir do Fórum Varejo e Consumo, promovido pelo FGVcev - Centro de Excelência em Varejo da FGV - EAESP, faz um alerta para a importância dos empregados nos negócios.
A alta rotatividade sempre foi um dos principais desafios dos varejistas brasileiros, agravada pela pandemia do novo coronavírus, de acordo com lojistas ouvidos pelo Diário do Comércio.
Redes de lojas chegam a trocar 70% dos funcionários em um ano. Um terço das pessoas desistem do emprego após três meses, de acordo com consultorias em recursos humanos.
Se um vendedor não consegue permanecer mais de 12 meses em uma loja, o problema, muito provavelmente, pode estar na condução da gestão de pessoas.
“A cultura do comando e controle, eu mando e você cumpre, não funciona mais”, afirma Olegário Araújo, pesquisador do FGVcev, um dos autores e coordenador do texto.
O colaborador, diz ele, quer participar, ser ouvido, construir junto, pertencer à empresa.
Boa parte dos lojistas brasileiros nasceu antes dos anos 60 e, outra parte, antes de 1980. “As expectativas das gerações são diferentes. É uma questão de identidade”, afirma.
A comunicação, cita o texto da FGVcev, precisa, mais do que nunca, ser uma via de mão dupla.
“Os colaboradores não se engajam enquanto possuírem dúvidas, incertezas e inseguranças quanto às necessidades de mudanças e aos resultados de seus esforços.”
O conteúdo para a elaboração do texto foi tirado de exposições feitas por Marcelo Silva, conselheiro de administração do Magazine Luiza, e por Minoru Kamachi, diretor da Soneda.
Também participaram Sandro Benelli, consultor de varejo, e Francine Zanin Bagatini, mestre em administração e estudante de doutorado em administração pela EAESP.
Para eles, ouvir os colaboradores e observar o ambiente de loja são atitudes essenciais para promover mudanças e aprimorar as estratégias de gestão.
“Gentileza no relacionamento entre líderes e colaboradores gera gentileza no relacionamento entre colaboradores e clientes.”
Mais alertas sobre gestão de pessoas. “É necessário compartilhar o propósito da empresa, ser claro e transparente sobre expectativas e orientações.”
A comunicação genuína, cita o texto, estimula o diálogo e gera confiança, criando um ambiente de aconchego para os colaboradores.
Veja alguns cases que vão na linha da retenção de colaboradores e da menor rotatividade.
SONEDA
Antes de criar a Soneda Perfumaria, em 2018, a família Kamachi, que era dona da Sumirê, teve de enfrentar um baita desafio ao decidir adquirir dez lojas da Perfumaria 2000.
Até então, parte da família cuidava de lojas da Sumirê separadamente. Cada um dos cinco irmãos e três primos tocava duas ou três unidades.
Minoru Kamachi, diretor da Soneda, teve a ideia de juntar todas elas em uma só bandeira, nova, somando também as dez unidades da Perfumaria 2000.
“Na época, houve uma crise de identidade. As pessoas achavam que iam ser todas demitidas. Decidimos então fazer uma carta de valores e reunir todo mundo para falar do momento”, diz.
A perfumaria reuniu cerca de mil funcionários em um evento, que durou o dia todo, no espaço Hakka, no bairro da Liberdade, em São Paulo.
Normalmente, são os donos que determinam os valores da empresa. A Soneda preferiu ouvir dos colaboradores quais seriam os valores da empresa que estava nascendo.
Amor, aconchego, beleza, confiança, fé e respeito acabaram se tornando o guia de valores da Soneda, a partir deste dia de aproximação da família Kamachi com os colaboradores.
“Confiança era tudo o que eles precisavam naquele momento de transformação da empresa”, afirma Minoru.
Do encontro também saiu um hino da empresa e a decisão da rede de estimular a cultura de aprofundar a relação com os funcionários, deixando de ter apenas um contato mercantil.
Na loja da Praça da Árvore, a Soneda, palavra que significa, em japonês, plantação de arroz com raízes profundas, criou este ano um espaço para treinamento dos funcionários.
“O nosso principal objetivo é recrutar gente que gosta de gente, pois a parte técnica é mais fácil de lidar. Servir é um dom. Tem gente que não gosta de se relacionar”, diz Minoru.
A conexão entre todos os empregados também se faz por meio de reza, o Pai Nosso, que acontece diariamente nas entradas dos turnos.
“É um ritual para agradecimento, de fé, que é um dos valores da loja. Na empresa pode ter divergência de ideias, mas não de valores.”
A consequência de todo este engajamento, diz ele, é de uma rotatividade baixa, 20% menor do que a média de mercado, da ordem de 4%, de acordo com algumas pesquisas.
Na Soneda, há funcionários com até 20 anos de casa, vindos das antigas lojas.
OPAQUE
A humanização na relação com os funcionários também faz parte do dia a dia da Opaque, rede de perfumaria com 14 lojas em shoppings.
Como vende produtos de alto valor, pois os perfumes custam R$ 500, R$ 600, em média, os mais de 120 colaboradores estão sempre em treinamento, com o apoio dos importadores.
“A função de vendedor em uma loja de shopping exige muito, faz com que a pessoa abdique de outras coisas para trabalhar”, afirma Sun Kim, sócio-proprietário da rede.
A loja, portanto, tem de oferecer algo mais, de acordo com ele, para que o vendedor tenha ânimo, vontade de trabalhar.
Para que as funcionárias se sintam acolhidas, Sônia, esposa de Kim, costuma visitar todas as lojas para, pessoalmente, esclarecer dúvidas, ouvir problemas, de suas colaboradoras.
“Quando a pessoa tem vocação, tudo é uma questão de se adaptar à empresa” diz Kim.
Com cerca de 120 empregados, a Opaque tem funcionários com até 20 anos de casa. Na média, o tempo de contratação dos colaboradores gira em torno de três e quatro anos.
NOVOMUNDO.COM
Com 147 lojas, a rede Novomundo.com, com sede em Goiânia (GO), que revolucionou o seu modelo de negócio a partir de 2019, subsidia 80% dos estudos dos seus 2.600 empregados.
Há dois anos, a empresa mudou layout de todas as lojas e passou a trabalhar com jovens com idade média de 21 anos, treinados para fazer todo o processo de venda pelo celular.
Os jovens funcionários recebem um salário fixo, não são comissionados, mas podem fazer cursos, com uma universidade parceira, subsidiados em até 80% do custo pela empresa.
“Antes tínhamos vendedor, crediarista, caixa, empacotador, quatro pessoas para fazer uma jornada. Hoje, um jovem no primeiro emprego faz tudo”, diz José Guimarães, CEO da rede.
A revolução feita na empresa, que pertence à família Martins Ribeiro, de Goiânia (GO), aproximou a empresa dos colaboradores e também de seus familiares.
A rede realiza eventos para funcionários, filhos, pais e também coloca à disposição deles uma rede de psicólogos. “A saúde mental é importantíssima dentro de uma companhia.”
Toda a mudança que ocorreu na empresa foi para acompanhar as novas tendências de consumo e o fato de não ter mais distinção entre a venda on-line e off-line.
“Somos verdadeiramente uma varejista multicanal, o preço para quem compra na loja física e na virtual é o mesmo. Entregamos em 24 horas 93% do que vendemos”, diz.
EFEITO ESG
Empresas que possuem uma agenda ESG (Environmental, Social and Governance), governança ambiental, social e corporativa, cita o texto da FGVcev, influenciam positivamente na atração de pessoas que pertencem à geração Z, nascidas a partir de 1995 e até 2010.
Para o consultor Sandro Benelli, o varejo deixou de ser uma opção de trabalho para quem não tem outra opção. “O varejo faz carreira e desperta o interesse de novos profissionais.”
Sendo assim, questões geracionais precisam ser compreendidas e inseridas nas discussões dos valores que guiam as organizações.
Já que a nova geração de profissionais é estimulada pelo propósito, pelo ideal de inclusão, pelo diálogo aberto e pela possibilidade de oferecer contribuições para a sociedade, cita o texto, os novos profissionais devem ser participantes ativos das transformações das empresas.
“Times diversos são propulsores da inovação”.
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