Lote é formado por 221 mil restituições, distribuídas entre contribuintes prioritários e não prioritários; o valor total do crédito é de R$ 558,8 milhões
Notícia
Temporada de iniquidades fiscais
Anistia fiscal é instituto previsto na Constituição e no Código Tributário Nacional.
01/01/1970 00:00:00
Proximidade de eleições e fim de governo, invariavelmente, constituem fontes inspiradoras para propagação de más idéias no Congresso Nacional: anistias fiscais, repatriação de capitais, regulamentação de bingos, aumentos de gastos, efetivação de servidores públicos.
Anistia fiscal é instituto previsto na Constituição e no Código Tributário Nacional. A priori, não há razão para demonizá-lo. Seu uso, contudo, deve ser parcimonioso, reservado para situações excepcionais. Banalizá-lo constitui enorme desserviço à prática dos bons costumes fiscais.
A Lei nº 11.941, de 2009, e outras normas ainda em tramitação no Congresso concedem generosas anistias, a pretexto de instituir parcelamentos especiais, que em nada se confundem com elas. A sanção daquela lei foi a peça inaugural da atual temporada.
Repatriar capitais que migraram ilegalmente para o Exterior sempre traz à mente a imagem bíblica do filho pródigo que arrependido pretende retornar ao lar paterno. Os capitais, entretanto, buscam sempre a melhor combinação de segurança, rentabilidade e liquidez, em qualquer pátria. Com esse objetivo, muitas vezes não hesitam em transgredir regras.
A legislação vigente permite a repatriação de capitais, desde que sejam pagos todos os tributos devidos. O pagamento, por sua vez, extingue a punibilidade, no tocante aos crimes contra a ordem tributária. Essa regra se aplica a qualquer contribuinte em falta com o fisco.
É razoável admitir que a legislação deva ser aprimorada para, também, extinguir a punibilidade relativa à evasão ilegal de divisas. O que parece estranho, contudo, é cogitar da concessão de alíquotas favorecidas para aqueles que, por qualquer razão, remeteram divisas ilegalmente para o Exterior.
De resto, é extremamente difícil segregar o ilícito fiscal e financeiro daqueles associados à corrupção nas empresas e na administração pública, ao narcotráfico, à extorsão por seqüestro, ao contrabando, etc.
O projeto de lei que visa a regulamentação dos bingos e caça-níqueis parece desconhecer a história recente da corrupção vinculada a essa atividade. Em favor da tese, há alegação de que se joga aberta e ilegalmente no País. Tal raciocínio permitiria postular, também, a descriminalização de outras atividades ilícitas praticadas largamente no País, como a corrupção.
Alega-se, além disso, que a atividade iria gerar muitos empregos, esquecendo-se que o lenocínio tem mais tradição e eficácia na matéria, sem que, felizmente, mereça o tratamento proposto.
É um absurdo deslocar servidores públicos para fiscalizar atividade tão pouco meritória, sujeitando-os a uma tarefa de cumprimento impossível e a uma convivência extremamente perniciosa. Afora isso, é lamentável estimular a ludopatia, transtorno psíquico reconhecido pela Organização Mundial de Saúde.
Em relação aos gastos públicos, estamos observando uma perigosa combinação entre aumento dos dispêndios correntes e recorrentes frustrações de receita, o que compromete severamente o superávit primário e, em conseqüência, aumenta a relação dívida pública/PIB. Essa debilidade fiscal já foi percebida por alguns analistas e discretamente apontada pelo Banco Central.
O Orçamento para 2010 prevê uma significativa recuperação das receitas, em virtude de uma presumida retomada do crescimento. Trata-se de uma temeridade, em razão das incertezas sobre o futuro da economia. De mais a mais, induz a geração de despesas que, na hipótese de reversão de expectativas, demandará um penoso gerenciamento de caixa.
Nesse contexto, emerge a idéia de criação de uma contribuição destinada a financiar despesas de saúde – setor no qual as respostas para os problemas passam quase sempre por mais pessoal e mais recursos financeiros, com absoluto desprezo pelo princípio constitucional da eficiência na administração pública.
Pretende-se instituir a denominada Contribuição Social para a Saúde por meio de uma lei complementar, com base no que dispõe o art. 195, § 4º, da Constituição. Ocorre que essa instituição está condicionada ao atendimento das exigências estabelecidas no art. 154, inciso I, dentre as quais ressalta a não-cumulatividade do tributo.
A tributação sobre movimentações financeiras tem virtudes, mas seguramente ninguém teve a ousadia de qualificá-la como não-cumulativa. Por tratar-se de um requisito essencial, a via da lei complementar torna-se flagrantemente inconstitucional. Não foi outra a razão pela qual a criação da CPMF e suas sucessivas prorrogações se operaram por meio de emendas constitucionais.
A tentativa de efetivação, sem concurso, de ocupantes de cartórios e a já promulgada emenda constitucional, que ampliou graciosamente o número de vereadores, são um atentado ao princípio constitucional da moralidade administrativa.
Infelizmente, ainda não se encerrou a temporada de idéias nocivas. Teses em curso podem lograr êxito ou mesmo medrar novas teses. Esses são, todavia, os custos de uma democracia, cada vez mais, menos republicana.
Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal
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